18 de set. de 2010

A Constituição da Vontade Humana em Santo Agostinho

Deus é o autor do mal? Por que o homem erra? Sendo ele criatura de Deus e sendo Deus perfeito, logo, sua criatura deveria não cometer erro. Deus é justo e distribui recompensa aos bons e castigos aos maus. Cada pessoa é responsável por suas ações sejam elas boas ou más. Porém, como se dá a vontade em praticar coisas boas ou más?
Todas as criaturas tendem para um fim que é a felicidade, mas na ânsia dessa felicidade elas acabam por cometer atos que resultam em sua própria punição. Deus não pode determinar o homem, então Ele o dotou de livre-arbítrio. As paixões também não podem ser a causa das más ações visto que aquelas não podem influenciar o homem por serem inferiores a ele. Desta forma, a culpabilidade das más ações cabe apenas aos homens por causa de sua vontade.
Segundo Santo Agostinho em seu diálogo O Livre Arbítrio, há dois sentidos para o termo mal, um quando dizemos que alguém sofreu um mal, e o outro quando dizemos que alguém praticou o mal. Ao tratar desse ponto Agostinho explica que Deus é justo e não pratica o mal. Quando alguém sofre alguma punição é porque praticou o mal, portanto Deus não é o autor do mal, mas sim cada pessoa que pratica o mal é seu próprio autor.
Deus não é susceptível a mudanças, entretanto nós somos mutáveis e padecemos certas coisas por causa de nossa vontade, por não acreditarmos na sabedoria divina. Por desejarmos uma vida sem temor cometemos más ações, porém há uma diferença: os bons desejam viver sem temor e renunciam ao amor daquelas coisas que não podem possuir; os maus, ao contrário, desejam uma vida sem temor para desfrutarem daquelas coisas que amam. Enfim, os maus acabam cometendo graves erros em virtude de seu amor aos bens que amam.
Consideremos que para Santo Agostinho o homem é superior aos animais por possuir a razão, e isto faz com que ele ocupe um lugar superior na ordem do mundo das coisas criadas por Deus. O que o coloca acima dos animais é que ele possui uma mente ou espírito a qual faz com que o homem se encontre perfeitamente ordenado. Deste modo, ele não pode ser dominado ou subjugado nem por uma força superior nem por uma força inferior. No entanto, há inclinações que são próprias dos homens, ou seja, as paixões. A mente ou o espírito através da razão deve dominar as paixões deixando-as assim inferiores aos homens. Mas, nem sempre é isso que ocorre, e o que torna possível essa inversão é a própria vontade e o livre-arbítrio do homem. Assim, quando as paixões exercem seu reinado em virtude da vontade há inúmeras conseqüências para o homem.
Para Agostinho a vontade livre é um bem dado por Deus ao homem com o objetivo de o fazer viver com retidão e honestidade. A boa vontade é aquela que faz o que deve ser feito e não podemos compará-la com as riquezas que o homem pode possuir. Entretanto, ela não é fácil de ser adquirida porque temos em nosso interior o paradoxo do querer e poder, o homem às vezes faz coisas que não quer e quer coisas que não pode. Embora todos os homens queiram ser felizes nem todos podem, visto que não usam de sua boa vontade a qual está fundamentada no amor.
Quando o homem toma a boa vontade como um bem excelente ele adquire tudo o que quer, pois há na vontade quatro virtudes cardeais: a prudência, a força, a temperança e a justiça; e nada pode subtrair essa boa vontade no homem sem seu consentimento. No entanto, quando o homem se afasta de Deus e se inclina para o inferior, no caso as paixões, ele comete o pecado onde Deus exerce sua justiça, visto que Ele não pode coagir o homem a fazer algo de mau. Em suma, o que faz com que o homem cometa um ato mau é a sua própria vontade. Sem a vontade o homem estaria determinado a agir de uma forma, com ela há uma ponte entre o eterno e o temporal.
Porém, há um outro problema, a incerteza do dom da vontade. Esta incerteza está na medida em que Deus deu a vontade e o homem agiu mal, se ele assim o fez então a vontade não é um bem, mas se por outro lado, o homem agiu bem então ela é um bem. Esse problema é sanado na medida Agostinho tem a certeza de que Deus é, ou seja, antes da razão temos a fé que é fundamentada na frase de Agostinho crer para entender.
O homem quer a felicidade, e a felicidade ou a infelicidade se dá por uma boa ou má vontade, é por meio da vontade que chegamos a vida feliz ou a vida infeliz. O poder da vontade para optar livremente entre o bem e o mal se baseia na aptidão do homem para participar da felicidade. Logo, essa afirmação nos leva a uma consideração final acerca da vontade. A boa vontade está diretamente relacionada com a lei eterna, se o homem segue a lei eterna ele é bom, mas o fato é que não conseguimos seguir tal lei, a lei que seguimos é a temporal, a qual serve para salvaguardar determinados bens para que a sociedade humana alcance a paz. E, inserida nesses bens está à liberdade que é de dois tipos: aquela verdadeira a qual é a expressão da boa vontade e pertence aos bem aventurados, e aquela liberdade do poder de escolha.
Portanto, ser livre significa não apenas optar, mas saber e seguir exatamente o que deve ser seguido, pois a liberdade é um bem do homem. Para Santo Agostinho a verdadeira liberdade não é a liberdade de poder escolher o bem e também o mal, mas a liberdade de não poder escolher senão o bem, e quem está na condição de não poder escolher o mal, está na condição de não poder mais pecar, e, portanto, é perfeito.

Referências:
AGOSTINHO, Santo. O Livre - Arbítrio. Coleção patrística. São Paulo: Paulus, 1995.
BOEHNER, Philotheus e GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. 3a Edição. Petrópoles: Vozes, 1985.
SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. 3a edição São Paulo: Mestre Jou, 1967.

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